terça-feira, 26 de maio de 2009

Dolores






Dolores é projeto que se iniciou em no segundo semestre de 2006, como um exercício da disciplina de cerâmica e que por empatia com e técnica de rolinho e com a forma por mim iniciada, que dei continuidade na pesquisa do tema: dor e da variação da forma inicial.

Instigada pelo assunto e principalmente pela platicidade e organicidade que a argila emanava, tomei Dolores como minha monografia a ser defendida. Grande desafio este, pois minha pesquisa invade o campo da psicanalise e da filosofia mais niilista de todos os tempos, a de Fredirick Nietzsche. Passar horas, meses confinada no meu ateliê de cerâmica, não foi nada fácil, mesmo que seja um prazer inigualável esta experiência. Pois por mais prazeroso que seja trabalhar com a argila, a mesma ao mesmo que tempo que alivia as tensões também suga energia.
Dolores trata de um assunto muito delicado, porém muito mal interpretado. Trato da dor existencial do sujeito, a que não vemos, não ouvimos. E que apenas quem a sente pode decorrer sobre ela. Mas as vezes, nem mesmo o próprio sujeito que a sente palpitar sabe exatamente falar sobre isso de forma teórica, ele apenas sente esta vazio e tenta direciona-lo para algo... Teoricamente falando, está angústia é inerente a todo ser desde o seu nascimento, contudo a mesma desde cedo é direcionada pela família deste indivíduo com atividades e mitos a seguir e conquistar. Cada etapa vencida, um mito a mais a conquistar. Porém, existem pessoas que simplesmente não conseguem seguir esta vida padronizada e questionam tudo, até o próprio ato de existir, de se fazer algo, ser alguém. Quando estas pessoas se encontram neste vazio de sentido da vida, a mesma se torna um tormento, pois ali só há sofrimento de se encontrar neste repleto vazio. E este é um caminho sem volta, pois no instante que o sujeito se desconecta da crença na vida e de todos os mitos que ela pode oferecer, o religar-se se torna praticamente impossível, pois o único desejo ali existente é o findar de tudo, inclusive da própria existência.








Nietzsche e Freud foram dois teóricos que entendiam muito bem esta questão, mas ambos tinha posicionamento distinto desta. Nietzsche era um anticristo – não no sentido literal da palavra, pois o mesmo acreditava em Deus e foi criado num ambiente religiosamente muito rígido. Mas no sentido de ser contra as imposições da igreja, da censura, do dito de que tudo é pecaminoso, de que temos que controlar nossos instintos – Nietzsche era puro instinto e não aceitava restrições quanto aos prazeres terrenos. Defendia o livre e máximo gozo dos prazeres oferecidos aos homens e sua liberdade intelectual, onde o sujeito tem liberdade de acreditar em qualquer filosofia ou dogma. Porém Nietzsche era um niilista convicto e não acreditava em nada, a não ser na sua liberdade e no Super Homem – não o dos quadrinhos, mas o homem que quebra as barreiras do cristianismo e vive sua vida até a máxima potência do desfrutar dos seus prazeres – vivendo desta forma de maneira intensa sua vida, sem a castração da igreja e da sociedade com seus mitos e fábulas. Este Super Homem apenas direcionaria sua vida, para saciar seus instintos, gozando assim ao máximo dela.










Freud, o pai da psicanálise e contemporâneo de Nietzsche já tinha plena consciência da angústia do homem e desta sua inquietação perante a vida, deste vazio absoluto e deste deslocamento de tudo. Porém este defendia que o homem deveria postergar o prazer momentâneo para desfrutar de um melhor aproveitamento de sua existência, que concerne num direcionamento desta energia voraz (vazio) que constrói e destrói a vida. E Eros(pulsão para vida) e Thânatus(pulsão para a morte) são os Titãs que duelam dentro do sujeito, e o mesmo apenas vive se ambos estiverem presentes dentro de si, pois apesar dos mesmos serem forças antagônicas, eles precisam um do outro, pois o homem apenas vive com o equilíbrio destes. O Eros que luta por um direcionamento deste vazio, não teria o que fazer se o Thânatus que defende a livre instinto do homem, não existisse e vice versa, pois a presença única de Thânatus somente levaria o sujeito a morte eminente. Por isso é necessário que haja esse embate de questionamentos dentro do homem, sem ele o sujeito seria um morto em vida, em suas certezas absolutas, pois o sujeito apenas vive e deseja algo pela questão da falta, seja ela de cunho carnal ou ideológico. Quando o mesmo não sente falta, não haverá necessidade de se buscar nada, não se deseja nada, daí a morte já instalada.






Dolores em suas formas contorcidas, repletas de fissuras, rasgadas de dor e desespero refletem de forma direta este embate de Eros e Thânatus e esta angústia desde embate dentro de si. Onde a mesma se encontra no limiar de vida e morte, num vôo rasante entre o “chão e o céu”, no qual cada “golpe” dos Titãs é um rasgo, no qual a mesma vai se desmanchando aos poucos...
Dolores consiste em uma instalação de dez peças de cerâmica, onde cada um se expressa de forma única, no seu “questionamento” interno, onde suas angústias se debatem e se encontram com outras que ali estão presente a se observarem. Como se todas fossem cúmplices uma das outras, mas cada uma em seu canto com sua dor, com seu sofrimento.



O próprio ato de construção foi livre de direcionamentos e padrão de estruturação. Pois não segui mapas (croquis) de elaboração das peças, e deixei que esta energia solta me guiasse, que a própria Dolores que estava por surgir me levasse ao seu encontro, a sua materialidade. A organicidade da argila foi manobrando minhas mãos livremente, porém eu como vetor desta ligação da argila com esta energia, foi quem conduziu neste direcionamento. Por outro lado, eu como mãe que deu a luz a Dolores, ao mesmo tempo que sou conduzida por ela, também tento direcionar o seu vazio . Sendo nossa relação de amor e ódio em busca de uma satisfação, seja ela eterna ou momentânea, onde o fator erótico é força motriz na construção da nossa relação que é plástica e filosófica.



Alguns paralelos que tracei entre as obras de Louise Bourgeois, Clarice Lispector, Frida Kahlo e Nuno Ramos: Em Louise Bourgeois me liguei a ela por seu trabalho altamente freudiano e por seus questionamentos sobre o sujeito e vazio do mesmo, com um trabalho impressionantemente doloroso que é o Arco da Histeria, que tem relação direta com meu trabalho e da dor que o mesmo emana. Já em Clarice Lispector trabalhei da dificuldade do ato criador, do drama de dar parto a uma idéia seja ela literária ou plástica e desta angústia de dizer e como dizer algo, como foi belíssimo bem trabalhado no livro “A hora da Estrela”. Na obra de Frida, destrincei mais sua vida do que propriamente seu trabalho, pois o mesmo é reflexo constante em sua pintura. O que de fato foi uma vida marcada de dor e intensidade, que foi retratado de maneira organicamente direta e constante na vida desta artista que viveu com os princípios que Nietzsche lançou, sendo Frida um ícone do Super Homem. Meu estudo sobre Nuno Ramos se absteve no último capitulo “Minha Fantasma” do seu mais recente livro, “Ensaio Geral”, 2007, editora globo. O mesmo trata de vários projetos e textos que o mesmo publicou em jornais ao longo de sua vida. O último capítulo, “Minha Fantasma”, objeto de meu estudo, foi sobre o diário que o mesmo fez sobre a crise depressiva de sua esposa no ano de 1999, e seus relatos quanto ao estado que a mesma se encontrava. Meu diálogo com o trabalho de Nuno Ramos, foi mais no âmbito de acompanhante e observação desta dor incessante. Como olhar e conviver com ela fora do seu corpo, mas presente constante em sua vida. Caminhar ao lado do amor com esta angústia presente na relação. Enfim, é mais complexo que pode ser descrito aqui ou explicitado como Nuno Ramos fez através da palavra. Já eu me expressei através da argila esta dor, que me foi referência soberana na minha construção plástica e filosófica de Dolores.




Todas as peças em exposição estão a venda. Preço sob consulta pelo e-mail miguelarabelo@gmail.com